UM CUBANO NO UBER
Ouvir acerca de Cuba sobre quem lá nasceu e escolheu fugir para a liberdade, encontrando no Brasil quase que mais do mesmo.
São Paulo, onze da noite de um sábado tépido de novembro, minha esposa e eu nos despedimos de amigos e chamamos um Uber para o longo trajeto de volta ao ABC paulista.
Ao entrarmos no carro, a cordialidade do profissional apontou um sotaque diferente: nosso motorista logo de cara nos disse ser cubano.
O silêncio de poucos segundos que tomou conta do veículo foi quebrado por minha pergunta: se incomodaria de responder a algumas dúvidas?
“De jeito algum”, respondeu jovialmente, “eu já estava esperando”.
Seu nome não importa, fica sendo Juan, para resguardar sua privacidade. Vale muito mais o conteúdo da conversa.
Cinco, segundo ele, eram as perguntas habituais que lhe faziam sobre Cuba.
A primeira, era se Cuba era tudo aquilo que se dizia quanto à repressão e pobreza. Sim, era. Ressalvando os exageros da mídia, tudo faltava, inclusive liberdade de ser e de pensar.
Foi por isso que Juan se juntou a um grupo de amigos para escapar de lá. Uma parte foi para os Estados Unidos, EUA, e outra veio para o Brasil. Dos que vieram para cá, somente ele permanece, os demais foram para os EUA.
Por que aqui? “Desde pequeno eu sempre tive o sonho de morar aqui no Brasil”, respondeu. “Eu amo o Brasil muito mais que vocês. Você é obrigado a amar porque nasceu aqui, eu amo porque escolhi”, mal sabendo ele quão poucos são os que, mesmo aqui nascidos, não amam nosso país.
E valeu à pena? “O Brasil é um país que não está bom, mesmo assim você pode colocar o número um na frente e passar o resto da noite colocando zeros à direita que esse vai ser o número de vezes que o Brasil é melhor que Cuba”.
Cuba ainda era dos Castros, e nada ia mudar.
Então você vai ficar? “Nosso grupo de amigos quando saiu de Cuba fez tipo uma aposta de quem se daria bem primeiro”, explicou o motorista. “Dos que estão nos EUA, todos já possuem carro e a casa é alugada, mas com possibilidade de compra, e vão comprar”, dando a entender que o carro do Uber não era seu.
“Vou embora pra lá daqui três anos”, arrematou, “aqui não dá mais”.
Deixou alguém em Cuba? “Muita gente. Minha mãe, meus irmãos”, denotando a saudade na voz. “Minha mãe disse que capitalismo é coisa pra jovem, que eu fosse fazer a vida e quando estivesse bem chamasse ela”.
Qual a idade dela? “Setenta anos, cuida da minha avó lá em Cuba, que ainda é viva”.
A saúde cubana é boa? “Os cubanos são um povo alegre, feliz, apesar de tudo, e a medicina lá é boa”.
Perguntado sobre o programa Mais Médicos, disse que não era verdade o que a mídia dizia e que os médicos cubanos eram mais humanos. “No Brasil o médico quer ganhar dinheiro”, afirmou, “não tem problema. Só que ele não pode esquecer que ele trata gente, mas esquece”.
Criticou também o ensino brasileiro como um todo, dizendo que somos criados para sermos individualistas, para pensarmos apenas em nós mesmos e esquecermos a nação. “Não tem como dar certo”.
Cuba era violenta? “Mais ou menos. Se tivesse arma de fogo seria bem pior”.
No Brasil, já foi assaltado por adolescentes ao parar seu Uber no farol, com a arma na cabeça. Hoje anda precavido, com os cuidados que muitos paulistanos também tomam.
Reclamou da impunidade do país tanto para bandidos ricos, quanto para pobres.
Apesar de longa, a viagem foi curta para tanto que queríamos saber e ouvir.
Juan mostrou um amor pelo Brasil que não se vê nos brasileiros, um amor pela liberdade em seu sentido mais amplo vindo de alguém que sentiu na pele a perseguição e os males da ideologia comunista em um país dominado por uma ditadura que já dura décadas, sem previsão de mudança.
E, mesmo amando nosso país, já se prepara para partir, porque vê aqui traços do monstro que o fizera fugir de Cuba: a blindagem dos corruptos, a dominância e a perseguição ideológica, a demonização do capitalismo e tanto mais.
Só lhe resta os Estados Unidos da América, para onde seus amigos foram e se deram bem, diferentemente dele no Brasil.
Juan perdeu a aposta, mas vai refazer suas escolhas. Muito mais perdemos nós, brasileiros, que, na roleta viciada desse cabaré, insistimos em jogar um jogo de cartas marcadas.
Três contos sobre ofertar presentes podem nos dizer muito sobre o Natal.
Pensar o Natal como uma auditoria da nossa conduta no último ano e um ajuste de caminho para o ano vindouro o torna uma data sempre presente, e não um feriado no qual se come muito e se trocam presentes.