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O QUE VOCÊ TROUXE PARA O NATAL?

Eduardo Perez
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O QUE VOCÊ TROUXE PARA O NATAL?

Três contos sobre ofertar presentes podem nos dizer muito sobre o Natal.

Natal, se despido de seu sentido original, é uma data na qual se abusa do consumo de comida e bebida, e também na qual se presenteia. Digo presenteia porque nem sempre se trocam presentes; há uma idade na qual você mais dá do que recebe regalos, talvez em razão da brancura da barba que nos torna mais parecidos com o bom velhinho, ou porque são tantas despedidas que a presença se torna mais importante que o presente.

Esse arroubo consumista tem seu valor, movimenta a economia, gera empregos e prosperidade, de modo que mesmo na cegueira ávida pela aquisição de bens supérfluos há algo positivo, como a lótus que nasce do lodo.

Mas o Natal não é avesso a presentes, pelo contrário, faz parte de seu significado. Em seu nascimento, Jesus foi visitado por magos que vieram do ocidente para louvá-lo trazendo ouro, incenso e mirra (Mateus 2-1:12). A bíblia não diz que eram reis; nem três; nem o nome de cada um ou o que individualmente foi ofertado.

Foi em um manuscrito grego encontrado em Alexandria, no Egito, por volta de 500 d.C. que se diz que seus nomes eram Baltazar (ou Baltasar, Balthassar ou Bithisarea), Gaspar (Gaspar, Jaspar, Jaspas, Gathaspa ) e Melquior, reis da Arábia, às vezes Etiópia; da Pérsia e da Índia. Para os cristãos sírios, são Larvandad, Gushnasaph e Hormisdas; ou Hor, Karsudan e Basanater, segundo o cristianismo etíope; ainda, para os católicos armênios, Kagpha, Badadakharida e Badalilma.

As Escrituras falam de um único encontro deles com Jesus, mas tradições distintas dizem que se tornaram seguidores de Cristo e que até foram martirizados pela fé.

É rica essa simbologia do encontro dos magos deitando aos pés de Jesus não só os presentes, mas sua sabedoria, reconhecendo-o como Senhor. De tudo, agora nos interessa o presentear.

Foi em torno de 336 D.C que o dia 25 de dezembro passou a ser considerada a data de nascimento de Jesus Cristo. Os romanos possuíam o costume de ofertar presentes por volta desta mesma data em razão do festival da Saturnália, em honra a Saturno. Esse costume foi absorvido pelo recém-convertido império sem dificuldade, considerando que Jesus também foi presenteado.

Qual a profundidade desse significado? O que de fato os magos vieram deitar aos pés de Jesus? Seriam apenas ouro, incenso e mirra?

Há um conto medieval que narra como Nossa Senhora decidiu, com o menino Jesus nos braços, descer à terra para visitar um mosteiro de monges muito pios. Felizes, eles fizeram uma fila para apresentar à Maria e o menino Jesus suas habilidades: poesia, pintura, iluminura, astronomia, geografia… um recitou de cor a bíblia, outro, narrou a vida dos santos com propriedade.

No fim da fila estava um humilde monge que não tinha habilidades intelectuais como os seus irmãos, que tentaram convencê-lo a desistir de apresentar o que quer que fosse que tivesse em mente, mas ele insistiu. Chegando diante do Trono, tirou cinco laranjas dos bolsos e começou a fazer malabarismos com elas. Aprendera essa habilidade de seus pais, que foram artistas mambembes.

Vendo isso, o menino Jesus riu e bateu palmas. Nossa Senhora, então, estendeu os braços e permitiu que o monge pegasse seu Filho no colo.

Esse conto se assemelha com a música Little Drummer Boy, cuja melhor versão é de Boney M. Nela, um pobre menino é avisado que nasceu Jesus e estão indo adorá-Lo e presenteá-Lo. Ao chegar onde estava a manjedoura de Cristo, o menino diz: “eu sou pobre também e não tenho presentes dignos de um Rei. Posso tocar meu tambor para você?”. Maria assente e a letra continua, com a narração do menino: “eu toquei meu tambor para Ele, toquei o melhor que pude, e Ele sorriu para mim”.

Há uma história que narra a existência de um quarto mago, de nome Artaban, que teria convencido os demais a venderem todas suas posses e comprarem presentes para o Rei que estava por vir. Ele mesmo comprara três gemas preciosas: um rubi, uma safira e uma pérola de tamanhos inigualáveis.

Quando Cristo nasceu e a estrela apontou o caminho, Artaban montou em seu cavalo e seguiu ao ponto de encontro que havia combinado com os outros três magos. No caminho, contudo, encontrou um hebreu caído na estrada, quase morto. Dividido entre seguir adiante, com medo de se perder dos outros magos, ou acudir o homem, optou por acudi-lo. Deu-lhe água e comida. Ao se recuperar, o hebreu contou-lhe que o Messias não estava em Jesuralém, para onde Artaban se encaminhava, mas em Belém.

Ao chegar ao ponto de encontro, encontrou apenas um recado dos magos: não pudemos esperá-lo, nos siga pelo deserto. Como tudo o que tinha de suprimento dera ao doente que acudira, Artaban vendeu sua safira e comprou o que precisava para cruzar o deserto.

Ao chegar em Belém, viu tudo silencioso e apenas uma casa aberta. Nela, foi atendido por uma mãe que cuidava de seu filho e disse que os três magos haviam aparecido há algumas noites, e que José e Maria teriam ido embora com seu filho furtivamente. Enquanto conversavam, ouviram uma gritaria e barulho do lado de fora: os soldados romanos vinham para matar os bebês por ordem de Herodes.

A mãe pegou sua criança e a escondeu sob um monte de roupas. Artaban, que tinha a postura de um rei, pôs-se à porta. Aproximaram-se três soldados romanos com as espadas sujas de sangue. Antes que falassem, disse o mago: “estou sozinho nesta casa esperando para dar este rubi ao prudente capitão que me deixar em paz”.

O oficial romano estendeu a mão, pegou o rubi e disse: “não há criança aqui, sigam adiante!”. Pela segunda vez Artaban sentiu que traía sua missão, porque agora só lhe restava uma jóia para dar ao Messias, sentimento esse que era mitigado pelos agradecimentos de uma mãe em prantos.

Por décadas o quarto mago seguiu o rastro de Jesus, sempre chegando tarde demais. No caminho, ele viu fome, dor e doença, e alimentou aos famintos, agasalhou os que nada tinham, curou os doentes, confortou os cativos, deixando atrás de si um rastro de amor e compaixão.

Já no fim da vida, trinta e três anos depois do início de sua busca, viu-se em Jerusalém e soube que estavam a crucificar Cristo. Como ainda tinha sua pérola, esperava que com ela pudesse resgatá-Lo dos romanos.

No caminho até o Gólgota, cruzou com soldados arrastavam uma jovem que, ao vê-lo, desvencilhou-se dos captores e caiu-lhe aos pés dizendo: “meu pai morreu e serei vendida como escrava para pagar os débitos. Por favor, me salve de um destino pior do que a morte”. Artaban pegou a pérola, último dos presentes que restava. Acometeu-lhe a dúvida que sentia todas as vezes. Ainda assim, entregou a pérola aos soldados pagando o resgate da jovem.

Logo em seguida, o céu escureceu e a terra tremeu, fazendo com que edifícios ruíssem (Mateus 25:51). Um pedaço de prédio caiu sobre a cabeça do velho mago. A jovem, agora liberta, o acolheu no colo, notando que ele não conseguiria resistir. Nisso ela ouviu um som indefinido vindo do céu e Artaban respondendo: “Não me lembro, Senhor. Quando foi que eu o encontrei?”. Novamente o som se fez ouvir, e ela percebeu que era uma voz: “Verdadeiramente vos digo, o que fizestes ao menor dos meus irmãos, a mim o fizestes” (Mateus 25:40). E com serenidade o idoso mago entregou sua alma, sabendo que seus presentes foram aceitos.

São três histórias que têm por tema presentear Cristo.

A primeira nos ensina que nenhuma ciência basta em si se não tiver por objetivo o bem. Toda a sabedoria é inútil sem humanidade. Se, como diz Goya, o sono da razão produz monstros, da mesma forma a razão desperta sem alma, mas com a diferença que o faz de forma metódica.

Na segunda, aprendemos que é preciso atingir a excelência e orgulhar-se disso. O presente do pequeno tocador de tambor a Jesus é executar sua habilidade da melhor forma possível.

A mensagem da terceira história é a de que se dedicar a Deus é a tarefa de toda uma vida, que não se exaure apenas em um dia de Natal.

Todos os contos têm em comum isso: o presente não é um bem material, mas ações, e todas elas visam o outro. O monge acrobata não está preocupado consigo, como os demais monges com sua vaidade que queriam impedi-lo de se apresentar, mas em alegrar o menino Jesus; o menino que toca o tambor também quer ver Jesus sorrir e se empenha não por si, mas pelo outro; e o mago sempre quando deve enfrentar o dilema entre guardar o presente para Cristo ou ajudar seu irmão, optava pelo último, e por onde passou deixou um rastro de compaixão.

Os gregos antigos falavam da vida eudaimônica, aquela vivida em virtude, e em areté, ou excelência, como essencial para cumprir o seu propósito no mundo.

Aristóteles diz, em sua Política, que aquele que é incapaz de viver em sociedade, ou que dela não precisa por ser suficiente em si mesmo, é ou uma besta selvagem, ou um deus. Não tenha dúvida: qualquer um que viva em solidão é uma besta, jamais um deus.

Porque somos imperfeitos, dependemos uns dos outros em todos os aspectos. Pobre daquele que não reconhece suas limitações e é incapaz de amar.

Amar não é desejo. Não é querer possuir, controlar, dominar, nem depender. Quando Jesus nos manda amar uns aos outros não há nisso nenhum segredo: é preocupar-se com o próximo. Essa preocupação jamais deve ser no sentido de controlar o outro, querer por ele, decidindo o que ele pode ou não fazer, mas estar atento às suas necessidades.

Amar é ver o outro como ser independente, não como propriedade ou extensão de si.

Não por acaso, Coríntios nos recorda que, ainda que se saiba as línguas dos homens e dos anjos, ainda que se tenha o dom da profecia e se conheça todas as ciências e se tenha fé capaz de mover montanhas, e mesmo que se distribua toda a fortuna aos pobres e se ofereça em martírio, sem amor nada disso serviria (Coríntios 13:1-3).

Quantos não falam em ciência, em ajudar os pobres, em seguir a fé, mas dentro de si são secos e ocos, destituídos de amor? São discursos inúteis que, se tornados em obras, engendrarão obras vazias cujos frutos serão venenosos.

O amor é maior do que a fé e a esperança e sustenta ambos. Sem amor tudo o que se faz é pensando em si mesmo. Só o amor nos permite olhar para fora.

Aprender a amar, como a fazer acrobacias ou a tocar um tambor, é um trabalho de uma vida. A história do quarto mago ilustra que o presente que entregamos a Deus não é um sacrifício pontual, mas nossa própria existência.

A celebração do Natal, entre vários significados, também deve ser a oportunidade de refletir sobre o que fizemos de nossas vidas mais este ano. Que existência estamos levando? Virtuosa ou viciosa? Estamos nos empenhando em excelência naquilo que fazemos? Estamos só correndo na roda de rato, em busca de prazeres e bens?

O Natal não se exaure em uma data, em uma missa, em um abraço. Não é a prática consumista de presentear, não é a comida, não é a bebida. Não é o feriado. Não é uma penitência.

Natal é a lembrança de que sem amor ninguém seria nada. De que em algum momento faremos a travessia até Belém e deitaremos aos pés de uma humilde manjedoura nosso presente: a vida que vivemos. Se fosse hoje, que tipo de presente você entregaria?