Quando até os palhaços forem calados
Em 2017 publiquei esse artigo acadêmico sobre liberdade de expressão e seu valor democrático.
“Eterna vigilância é o preço da liberdade”. Essa frase, erroneamente atribuída a Thomas Jefferson, já era utilizada na Europa e América do Norte do final do século XVIII e início do XIX.
Mas foi nos Estados Unidos da América que ela se tornou amplamente conhecida, como a sua paternidade equivocada bem demonstra, chegando a figurar na publicidade das revistas do Batman, o que a gravou na minha mente infantil.
É dos EUA também que nos chega a notícia de que, no dia 19 de junho (de 2017), a Suprema Corte, de forma unânime, decidiu que não há exceção à Primeira Emenda da Constituição dos EUA no que tange ao direito de expressar-se, ainda que se trate de discurso de ódio.
No caso Matal v. Tam, o governo se recusou a registrar a marca “Tha Slants”, afirmando que poderia ser ofensiva aos americanos de origem asiática. Não houve proibição do uso do nome, mas negou-se que ele fosse protegido pelas leis autorais.
A Corte entendeu que o governo estava equivocado em sua censura, sendo inconstitucional qualquer limitação à liberdade de expressão, mesmo as odiosas. O magistrado Samuel Alito foi enfático ao dizer que a intenção do governo de restringir discursos cujas ideias possam ser ofensivas ataca no âmago a Primeira Emenda. Ainda que tais manifestações sejam detestáveis, é assente na jurisprudência norte-americana a proteção à liberdade de expressar “os pensamentos que nós odiamos”.
Vale a leitura para quem tiver curiosidade.
Para quem não se recorda dos dramáticos filmes de Hollywood, essa Primeira Emenda é aquela que garante o direito à liberdade de expressão do cidadão, proibindo o estado de estabelecer uma religião oficial, favorecer qualquer delas, ou proibir o livre exercício religioso, restringir a liberdade de expressão, de imprensa, o direito à associação e que assegura o direito de se peticionar ao governo por qualquer agravo sofrido.
Curiosamente, no dia 18 de julho de 2017, quase um mês depois da decisão norte-americana, a juíza Luciana Raquel Tolentino de Moura negou o pleito da Câmara dos Deputados contra o humorista Danilo Gentili, que pretendia a retirada do ar de um vídeo em que o réu da ação rasgou e esfregou nas partes íntimas uma correspondência oficial da deputada federal Maria do Rosário.
Em sua decisão, a magistrada foi enfática ao dizer que o humorista “disse algumas palavras que representam, em certa medida, o pensamento e o anseio de milhões de brasileiros. E são absolutamente verdadeiras tais afirmações, a saber: que são os cidadãos que pagam o salário dos ilustres parlamentares; que estes não podem mandar calar àqueles; que o brasileiro “nunca admita, nunca aceite que qualquer deputado, senador, prefeito ou governador diga se você pode ou não falar alguma coisa”; que todos esses exercentes de cargo público “são funcionários” públicos a serviço do povo e que não é povo que está a serviço deles””
E, em defesa da liberdade de expressão, completa: “Busca-se, na verdade, medida nitidamente de caráter repressor, censor, própria das ditaduras. Por isso, é bom que se diga, o Poder Judiciário não se presta a tal mister, de censurar a indignação manifestada por cidadão, ainda que se discorde do teor de algumas palavras e gestos. Entretanto, nessa atitude do réu não vejo nenhum motivo razoável para censurar-lhe seu direito à livre manifestação de indignação com os políticos que nos representam. Isso é próprio das democracias, mas fortemente reprimido nas ditaduras.”
Embora para alguns não seja, parece bastante evidente que a ninguém interessa que o estado diga o que a população pode ou não ver, ouvir e falar, qual religião deve seguir, quais programas pode assistir, sobre quais assuntos é permitido debater.
Quando isso acontece, ou já se está ou se caminha para um regime ditatorial de supressão de direitos fundamentais, considerando que o direito mais basilar da vida em sociedade é o de ser livre, resguardadas algumas balizas, como já mencionamos em outro artigo.
O governo existe para a sociedade. Se essa equação se inverte e a sociedade passa a servir ao governo, ou melhor, aos que exercem o poder, a própria razão da existência comunitária perde sentido, atirando-se à lama o arcabouço de direitos individuais e coletivos conquistados após milênios de história.
Em países de conhecido patrulhamento contra a liberdade de expressão, como Cuba e Coréia do Norte, a crítica do cidadão a qualquer matéria considerada sensível pelo regime ditatorial pode significar prisão ou morte, enquanto a celebração desse mesmo regime por cidadãos em cargos chave ou artistas implicará destaque e vantagens, sempre sob o domínio da paranóia.
É extremamente perigoso quando um agente público ou outra pessoa, com o beneplácito dos poderes político e econômico vigentes, passa a usar a máquina estatal para (i) estabelecer os critérios determinantes do que é permitido ideologicamente, seja diretamente, criando-se comissões, secretarias ou ministérios responsáveis por editar livros, cartilhas e normas, seja indiretamente, patrocinando pessoas ligadas à arte ou ao meio acadêmico responsáveis por difundir essas ideias, e (ii) para perseguir quem pensa diferente ou não concorda com esses critérios, indiretamente, impedindo que tenha acesso a cargos e patrocínios que permitam a divulgacão de pensamentos diversos dos validados pelo estado, inclusive no âmbito acadêmico das universidades, ou diretamente, através de processos judiciais, mídia patrocinada ou até mesmo violência de correligionários.
A melhor ilustração, por qualquer ângulo que se observe, é o caso do famoso Maurício de Sousa, acusado, no período do regime militar, de apoio ao comunismo, o que lhe fechou a porta para diversos trabalhos e o reduziu à situação de pobreza. Nesse estado, foi convidado a trabalhar por uma cooperativa de desenhistas brasileiros patrocinada por Leonel Brizola, com a condição de transformar seus personagens em difusores do viés ideológico da esquerda, tornando-os “defensores do proletariado”.
Ao recusar o convite, recebeu ligações anônimas dizendo que ele poderia quebrar o braço ou a mão de forma a não mais conseguir desenhar.
É certo que todo regime ditatorial é um regime que tende ao fracasso, considerando a entropia que só faz aumentar em seu sistema fechado. Contudo, até sua ruína, arrasta inúmeros inocentes pela via do sofrimento e aniquilação. Fome, opressão, estupro, tortura e abusos de toda sorte são o cotidiano desses regimes.
Ainda que traga em si o gérmen de sua queda, os déspotas e seus correligionários não se cansam de buscar a implantação de ditaduras. Os que buscam a hegemonia do poder aprenderam que, para obter controle sobre a sociedade, não basta o uso da força, é preciso arrebanhar aqueles cidadãos caprinos sempre sequiosos em seguir um pastor que lhes tosquie, sendo suficiente que lhes aponte alguém para odiar e uma bandeira sob a qual marchar, e castrar a alma do cidadão que se recusa a submeter-se às diretrizes ideológicas estatais, nada muito diferente do que nos ensina George Orwell em seu livro “A Revolução dos Bichos”.
A força segue como uma ameaça velada, e o indivíduo sente-se vigiado vinte e quatro horas do dia, mesmo aqueles partidários do governo, e o controle é obtido pela fragmentação do corpo social, incapaz de unir-se pela paranóia implantada.
É igualmente de George Orwell a frase: “quem controla o passado, controla o futuro, e quem controla o presente, controla o passado”.
A Coréia do Norte segue aqui como nosso paradigma, uma vez que seu sistema fechado, de ampla entropia, criou uma nação apartada da realidade, onde a propaganda estatal difunde feitos fantasiosos que teriam sido realizados por seu rotundo ditador e notícias como a existência de unicórnios (sim, é verdade).
Não é tão diferente do que faz um Maduro ao afirmar que a CIA tenta matá-lo dia sim, dia não, ou da ilha cubana onde a propaganda diz que não existem mais presos políticos e que sua medicina é a mais avançada da Via Láctea.
Todo ditador, e o grupo que o apóia, quer e precisa ter controle do que acontece em seu território, e, como mencionado, não basta o uso da força para incutir medo no cidadão. É preciso mais. É preciso dominar o povo culturalmente, impedindo-o de pensar fora das balizas estipuladas na cartilha ideológica estatal, ao mesmo tempo que torna cada indivíduo um fiscal em si, responsável por controlar e constranger quem ousar fora dos contornos politicamente corretos.
Nessa tarefa de dar à cultura o monocórdio tom politicamente correto, a academia e a mídia possuem especial relevância.
A academia se encarrega de produzir uma doutrina apartada da realidade, via de regra na área de humanas, em que não há necessário compromisso com os fatos. Assim, vê-se teses voltadas exclusivamente ao interesse do crime, inclusive o de colarinho branco, ignorando as regras mais elementares da lógica e gerando políticas que geram impunidade e mais violência. Embora tal classe de intelectuais não tenha se aventurado nas áreas da Física e Matemática, já ingressam na Biologia, negando fatos comprovados que pretendem substituir por teorias gestadas no mesmo ventre que cria as teses do garantismo hiperbólico monocular que tanto serviu de adubo para o crescimento da criminalidade no país.
A mídia de massa possui destaque ao divulgar e fomentar as diversas expressões artísticas e as referidas teses acadêmicas, sempre na cartilha do politicamente correto, gerando uma profusão de “especialistas” que opinam em entrevistas diversas sobre temas que desconhecem absolutamente, mas cuja titulação é validada por estar num programa televisivo, conferindo às suas palavras o efeito de verdade incontestável.
Essa cartilha doutrinária começa a fazer parte do dia-a-dia do indivíduo, que se vale das referidas fontes maculadas para reemitir a mesma opinião forjada no sistema de controle cultural do qual não se apercebe.
Se por acaso a pessoa consegue sair desse círculo vicioso de repetição ideológica, com acesso a novas ideias, sentir-se-á inibido em manifestá-las pela pressão feita por parte do exército de replicadores do pensamento em voga.
Caso ainda assim surjam vozes dissonantes tendentes a prejudicar a hegemonia cultural, em se tratando de um estado de declarada ditadura, cárcere e morte serão opções prováveis: num dia você existe, no outro, ninguém mais pode lembrar que você existiu.
Em regimes que se pretendem democráticos já não é tão simples. A alternativa é destruir a honra e a reputação de quem incomoda, valendo-se de uma mídia aparelhada, e oprimi-lo com o aparato estatal.
Numa República, a alternativa do cidadão acossado dessa forma é buscar amparo no Judiciário, guardião dos direitos e responsável por impedir a perversão do sistema.
Daí porque, no exemplo que abre o presente artigo acadêmico, a Suprema Corte norte-americana entendeu que não cabe ao estado dizer o que o povo pode ou não pensar, ainda que a ideia seja odiosa. É a liberdade de expressão em seu mais alto grau, conferindo aos cidadãos, e não ao governo, o direito de autodeterminar-se, decidir o que é melhor para si.
A própria lógica do estado controlando a cultura e a moral do povo em uma democracia é perversa, afinal, ou bem o povo sabe decidir seus caminhos e pode eleger seus governantes, ou não possui condições de se direcionar e não sabe escolher seus governantes. No primeiro caso, a intervenção é desnecessária, no segundo, espúria.
Apenas estados totalitários, dirigidos por caudilhos com fetiche em controle, criam normas com o objetivo de dizer como as pessoas devem se comportar, pensar e agir.
A pretensão de imunizar certas figuras e pensamentos à crítica encontra-se nessa esfera doentia de hegemonia ideológica.
A crítica ao Estado lato sensu é elemento essencial de qualquer sociedade livre, porque importa no direito do indivíduo expressar, se não algo produtivo, no mínimo seu descontentamento com a situação.
Fundada ou não, essa crítica deve ser recebida pelo agente público, em especial aqueles que figuram nos mais altos cargos da República, como reflexão e também como expressão do povo.
Pessoas que vivem da exposição da imagem possuem a própria intimidade mitigada, uma vez que saem da esfera da vida privada e ingressam na pública. Despertam paixões de toda sorte, algumas positivas, outras, nem tanto.
O meio de vida dessas pessoas é beneficiar-se da imagem que construíram, seja fazendo marketing de produtos alimentícios, seja pedindo votos pelo país. Especificamente no que toca às figuras públicas da política, esses profissionais dependem do voto da população que, mais do que propostas, se afeiçoam à figura do candidato.
Não fosse isso, não seriam gastos milhões, com ou sem caixa 2, para pagar publicitários objetivando criar uma imagem que arrebanhe um maior número de votos dentro da ideologia propagada, que não raro é secundária à efígie do candidato. Prova mais contundente é a busca da afeição acima da racionalidade com o uso de expressões como “pai dos pobres” ou “mãe”, personagens protetores, é certo, mas também onipotentes e ditatoriais, considerando que a família não é uma democracia.
A situação se torna mais crítica quando até mesmo o humor passa a ser controlado e censurado.
Governantes absolutistas do passado possuíam a figura do bobo da corte, que existiu não só na Europa como também em outros locais, como China, Índia e Egito, com a função não só de entretê-los, mas também dizer-lhes a verdade e orientá-los, em que pese a discussão histórica sobre a relevância política do bufão.
É fato, porém, que se consolidou ao longo do tempo a imagem do bobo da corte com liberdade para criticar o rei e dar-lhe as notícias mais desagradáveis.
Como exemplos, é possível citar o polonês Stanczyk, bufão de três reis, bem retratado na pintura de Jan Matejko, homem de grande inteligência e hábil político, e o bobo da corte de Felipe VI, que, quando mais ninguém queria contar ao rei sobre a derrota de sua frota, em 1340, aproximou-se e disse: “Oh, a covardia dos ingleses, a covardia dos ingleses!”, questionado sobre o motivo de sua fala, respondeu: “Eles não pularam no mar como nossos corajosos franceses”, permitindo ao rei entender o que acontecera com seus navios.
A rainha Elizabeth possuía o bufão Pace, que, segundo se diz, não só distraía a governante, como também a criticava abertamente, chegando a ser banido da corte por um tempo diante de seu exagero. Ao ser perdoado e recebido de volta, a monarca disse: “Venha, Pace, não falemos mais de nossas faltas”, no que ele replicou: “Não, de fato, madame, pois eu, francamente, nunca falo daquilo que é discutido por todo mundo”.
A Rússia ortodoxa dos czares possuía a tradição dos santos loucos, a quem era dado falar a verdade por estarem mais próximos de Deus e verem aquilo que as pessoas ditas normais não conseguiam observar.
A tradição sufi nos fala do satirista Nasrudin, que se reputa ter vivido no século XIII, onde hoje se encontra a Turquia, cujas histórias possuem não só um tom de humor, como um fundo filosófico e espiritual.
No âmbito da sátira, a história é prenhe de exemplos de pessoas que usaram o humor para criticar e atacar as estruturas de poder e sociais. O Brasil teve Gregório de Matos, o Boca do Inferno, baiano de talento singular, que, entre poesias líricas, religiosas e eróticas, destacou-se pela sátira ao Estado e à Igreja.
Porém, o bufão nunca foi uma figura revolucionária. É certo que dizia aos reis verdades cruas, enquanto seus ministros estavam cozinhando os fatos, mas isso com o objetivo de apontar eventuais falhas e manter o status quo.
Uma válvula de escape para a população, que, ao rir com a boca às escâncaras, não cerrava os dentes, logo, não se propunha a mudar a situação em voga.
Ainda assim, seu humor existia como um símbolo incerto de que certas verdades que todos gostariam de dizer seriam, de fato, ditas ao governante.
O humor foi sempre uma saída que o povo teve para enfrentar o poder, rindo dos grandes da terra para que o peso da sobrevivência cotidiana fosse mais leve.
Rapidamente os poderosos aprenderam que, melhor do que bardos para cantar suas gestas, o que valeria apenas postumamente, era ter em suas mãos humoristas que, ridicularizando a situação, aliviassem a carga de indignação do povo, enquanto outros artistas e acadêmicos tratavam de impor o modo de vida e construir a cultura e a moral, tornando assuntos polêmicos tabus sobre os quais falar era ser tachado de tacanho, e, mais modernamente, fascista.
Nenhum déspota aprecia aquilo que não pode controlar e, conquanto admita que chova sem sua permissão, é inadmissível a um caudilho que alguém ria às suas custas sem que seja um artista de aluguel.
Numa sociedade controlada por uma ideologia, ainda que aparentemente democrática, até mesmo o humor deve seguir uma cartilha politicamente correta. O poder das autoridades nessa situação decorre menos da força das armas e mais da força do sistema ideológico imposto sobre a comunidade.
Esses humoristas de aluguel destinam-se a atacar estruturas capazes de interromper o ciclo da corrupção e controle. Seu alvo preferido nunca são aqueles envolvidos nos escândalos. Preferem atacar com generalidades as autoridades responsáveis pelo combate à corrupção, como forças policiais e, mais recentemente, com o protagonismo do Judiciário, os juízes, mas não aqueles politicamente indicados, e sim os que se encontram na base e se submeteram a concurso público, como Sérgio Moro.
Financiados, alguns até mesmo fingem fazer humor com a imagem de seus senhores, quando seu objetivo é consolidar na mente da população uma imagem de simpatia e carisma do homenageado. Surgem as declaradamente falsas contas de twitter com seus chistes inofensivos, as páginas cômicas de internet, tudo com o intuito de simular uma crítica que só faz fortalecer as estruturas do poder vigente.
Essa cartilha ideológica forma fiscais que estão a todo tempo verificando, no mundo real e nas redes sociais, se alguém ultrapassa os limites propostos, enquanto enaltece os artistas e intelectuais partidários do pensamento estatal em voga que não fazem nada além de reforçar as paredes da prisão doutrinária. É a militância virtual.
O controle social advém do medo, e não do respeito. Os olhos estão em todos os cantos e o cidadão se sente oprimido e vigiado diuturnamente, uma mistura de Brazil, o filme, e 1984, o livro.
Daí porque os ditadores temem as risadas não autorizadas: elas afastam o medo. Elas diminuem o receio e a irracionalidade que os regimes de terror impõem. Sem as amarras psicológicas que mantêm o povo sob seu guante, o ditador não passa de uma patética figura.
A história recente ilustra bem o que é um ditador sem suas estátuas, seguidores e trono: um acossado Saddam Hussein e um espancado Muammar Gaddafi.
Quando os humoristas são perseguidos por tecerem suas críticas o foco não está neles, e sim na liberdade da expressão. Para o satirista não existe nada que seja sacro o suficiente para não ser alvo de sua mordacidade, e seu sucesso só ocorre quando encontra eco na população. O povo não ri dele, ri com ele.
Para o déspota a risada é uma diminuição de sua potência. Sofre o caudilho da paranóia constante daquele que sabe que segura areia em suas mãos, que espolia aquilo que não lhe é de direito. Teme, e com razão, que um dia a nação veja além da ilusão criada e resolva retomar o poder que lhe foi furtado.
Um povo que ri de seus governantes fora dos parâmetros por eles impostos sabe quem é que manda, e isso não é facilmente aceito por quem, embora servidor público, considera que é senhor, não servo.
Enquanto alguns agentes políticos se levam demasiadamente a sério, não admitindo piadas ou críticas mordazes, figuras histórias como Gandhi e Martin Luther King tinham um grande senso de humor.
François Marie Arouet, o famoso Voltaire, conhecido defensor das liberdades, possui uma frase que sintetiza tudo isso: Para saber quem controla sua vida, simplesmente descubra quem você não tem permissão para criticar.
A censura velada é de fácil percepção quando se nota qual tipo de humor é permitido e qual não é, qual tipo de literatura e cinema podem ser produzidos e quais são alvo de boicote e ataques viscerais. Mais importante, é essencial notar qual tipo de manifestação cultural possui incentivo estatal e qual não consegue sair do papel por falta de patrocínio.
Visualiza-se com clareza que há nítido interesse em que um tipo de ideia seja difundido em detrimento da liberdade de expressão, mantendo o povo refém de uma intransponível bolha cultural.
Por fim, quando se nota que determinadas figuras públicas possuem maior proteção estatal à crítica do que a vida privada de qualquer cidadão, é possível ver quem puxa as cordas desse teatro.
É evidente que a liberdade de expressão não é absoluta e não comporta conduta tipicamente criminosa, mas, no tocante às figuras públicas, notadamente as de cunho político lato sensu, é preciso ter uma interpretação mais complacente do que é uma ofensa e do que é uma crítica mordaz, ainda que grosseira, sob pena de soterrar-se sob o controle ideológico milhares de anos de história.
Essa mesma história nos mostra que, nas sociedades onde os direitos básicos foram retirados da população, inclusive o direito de se dizer o que pensa, a tendência foi o aumento da violência e o retrocesso social.
Em bom tempo o julgado da corte norte-americana recorda, cá no Brasil, a importância de ser livre e aprender a conviver com visões distintas, pois, se hoje você celebra o fato de que quem pensa diferente está sendo perseguido, amanhã as suas ideias podem estar na pauta da censura.
Ninguém é obrigado a ler um livro que não aprecie, assistir a um programa de TV que não goste, ouvir uma música que o irrite, fazer comentários em uma postagem da qual não goste, embora seja surpreendente o número de pessoas que tem opinião sobre tudo e nunca faça nada. Leia outro livro, assista outro programa, ouça outra música.
Há uma frase atribuída a Voltaire, mas que pertence à sua biógrafa, Evelyn Beatrice Hall, essencial para refletir que, numa sociedade livre, defender que o outro possa se expressar, ainda que as ideias nos sejam odiosas, é defender-se a si: “Posso não concordar com nenhuma das palavras que você disser, mas defenderei até a morte o direito de você dizê-las”.
Três contos sobre ofertar presentes podem nos dizer muito sobre o Natal.
Pensar o Natal como uma auditoria da nossa conduta no último ano e um ajuste de caminho para o ano vindouro o torna uma data sempre presente, e não um feriado no qual se come muito e se trocam presentes.