Modo de Leitura

A PROMESSA DO SUCESSO FÁCIL, ESTATÍSTICAS E A PROBABILIDADE DE QUE VOCÊ FOI ENGANADO

Eduardo Perez
ver todos os posts
Artigos

A PROMESSA DO SUCESSO FÁCIL, ESTATÍSTICAS E A PROBABILIDADE DE QUE VOCÊ FOI ENGANADO

O fenômeno coach é idêntico à teologia da prosperidade 2.0, prometendo sucesso material aos seguidores, esbanjando luxo e imagem de riqueza, e garantindo a eficácia através de testemunhos pontuais. Será que esse glamour resiste a um olhar crítico?

A promessa de sucesso fácil, estatísticas e a probabilidade de que você esteja sendo enganado

Tenho visto um crescimento absurdo de auto aclamados “mestres” que prometem soluções mágicas para a vida profissional, seja isso ser aprovado em concurso, conseguir um emprego de primeira, virar um super empreendedor ou até mesmo enriquecer no mercado financeiro.

A não ser pela ausência de paramentos e de templo, são semelhantes aos líderes religiosos que prometem vantagens materiais aos seus seguidores, a chamada “teologia da prosperidade”.

A proposta deste artigo é simples, e por isso não irá avançar em qualquer análise religiosa ou psicológica: mostrar como não há prova do nexo de causalidade com o que essa gente promete e o sucesso eventual de algum seguidor.

Para isso temos que assumir uma premissa básica de economia, mas não só de economia: o plano material é o plano da escassez.

O que isso quer dizer? Quer dizer que não tem tudo pra todo mundo, isso serve para recursos naturais, dinheiro ou vaga em emprego ou concurso público.

A escassez leva a um resultado único: disputa. Quaisquer organismos disputarão avidamente os parcos recursos que sirvam para manter sua sobrevivência ou status quo, seja uma poça d’água no deserto, seja poder político ou econômico. Para ilustrar de maneira bem cartesiana, basta lembrar que fatores aparentemente pequenos, como a introdução de espécies não nativas, pode significar o colapso de um ecossistema, como foi a crise de coelhos na Austrália (1).

Quando um líder adepto da teologia da prosperidade ou um coach, o que dá na mesma, promete sucesso e abundância para todos os seus seguidores, ele está mentindo simplesmente porque é estatisticamente impossível que a totalidade de pessoas ali possa “se dar bem”.

Mesmo colocando de lado a ideia de que Deus seja um patrocinador cósmico mais preocupado em ver você vivendo no luxo do que zelar pelas pessoas que são vítimas de violência física e sexual, fome e escravidão, a ideia de que não existe escassez vai contra a própria realidade em si, como se a água não molhasse e o fogo não queimasse (e se você está pensando em milagres, pense outra vez: será que a divindade subverteria a natureza para me dar um BMW em vez de curar uma criança com câncer?).

Desse modo, assim como alguém com bom senso não subiria uma montanha perigosa que não conhece, em um dia de chuva e com ventos acima de 80 km/h, guiado por alguém que não tem a menor ideia do que está fazendo, você também não deveria gastar seu tempo e seu dinheiro com quem te promete prosperidade.

“Ah, mas tem exemplo de gente que frequenta esses lugares, seguiu a dica do coach e teve sucesso”.

Com certeza tem! Por isso eu apresento a você o incrível e desconhecido mundo da estatística e da probabilidade, supondo que você não tenha lido Pascal e Fermat.

As dicas dos coaches normalmente (mas nem sempre) não são colocar a cabeça no forno ligado, atravessar a Av. Paulista de olhos fechados com o semáforo verde na hora do rush ou pular de um prédio de vinte andares na confiança, e sim generalidades como “confie em você”, “dá um rugido de leão pra mostrar sua força” e “só quem tenta consegue”. Tudo bem que tem coach que te orienta a “defecar em público” (é verdade!), mas a princípio não existem registro de pessoas que morreram de vergonha, só de tristeza, embora exista um número bastante elevado de gente que morre por ser idiota, nesse caso recomendamos cautela. Considerando ainda que a maioria dos coaches é homem, com cursos voltados para a “testosterona do guerreiro”, faz sentido a estatística do Darwin Awards de que 90% dos seus premiados são homens.

Então vamos supor que 100 mil pessoas se pautem por essas dicas. Ignore por ora que essas pessoas estejam pagando para dar o rugido de leão ou aprender a defecar nas calças em público e considere apenas o número. Conforme estatísticas, se considerarmos um equilíbrio de gêneros, haverá chance de 31 homens desenvolverem câncer de próstata (2) e 8 mulheres câncer de colo de útero (3). Sete homens e duas mulheres do grupo podem se suicidar (4). Mas isso são números gerais que podem aumentar ou diminuir de acordo com as características do grupo. Também existem estatísticas envolvendo divórcios, acidentes com ou sem embriaguez e muitas outras. É o que os planos de saúde e os de previdência privada consideram, por exemplo, para fixarem suas metas.

Considerando probabilidades, portanto, é uma estimativa bastante conservadora acreditar que, em meio a cem mil pessoas que possuem grau de instrução formal mais elevado, acesso a redes sociais, logo, com estrutura financeira mínima, pelo menos 0,1%, ou seja, cem, consigam passar em algum concurso público razoável, obtenham um bom emprego ou tenham sucesso em um empreendimento.

Mas não há qualquer nexo de causalidade entre frequentar o curso do coach ou o culto da teologia da prosperidade e o sucesso. A pessoa se deu bem independentemente disso (em alguns casos, APESAR disso). Foram as inúmeras variáveis a serem consideradas: o preparo, a dedicação, não ter desistido, conhecer as pessoas certas, ter caído algo que sabia melhor no exame etc.

Só que como a pessoa coincidentemente estava frequentando um curso sobre sucesso e ela conseguiu o sucesso, então a mente mágica de quem não confia em trabalho duro vê causa e consequência onde elas não existem.

Se quer conhecer um pouco mais de probabilidade pode estudar a Lei dos Grandes Números, que é usada em cálculos atuariais de planos de saúde e planos de previdência, os autores que já mencionamos, a curiosidade do Teorema de Bayes etc. Mas o que você tem que entender é que algumas coisas simplesmente não têm conexão com outras e são mera coincidência, e não há nisso qualquer dificuldade.

Quer um exemplo claro do absurdo da situação? Imagine que você seja mandado para a guerra e em vez de um treinamento militar receba apenas a seguinte dica: evite ser alvejado.

Quem você acha que tem mais probabilidade de se dar bem? O soldado profissional, que acordou cedo, que fez exercícios, que simulou combates, que sabe manusear vários tipos de armas, que disparou milhares de tiros, que conhece estratégia de guerra, ou você, que recebeu como orientação só não levar tiro?

Se de 100 mil pessoas que forem para a guerra com essa orientação voltarem 100 apenas, dirão que esses ensinamentos foram bons ou um fracasso? Então por que quando se trata de abundância financeira as pessoas continuam a acreditar em pensamento mágico. tomando como exemplo os 0,1% e ignorando o fracasso dos outros 99,9%?

O coach sabe disso, por isso que além de passar uma imagem de sucesso, ele seleciona algumas pessoas que deram certo (e dariam mesmo sem a intervenção dele) e convida para darem o testemunho de como suas dicas foram importantes. É olhando essa meia dúzia em meio a dezenas de milhares de fracassos que a pessoa acredita que vai ser “escolhida pelo universo”, perdendo excelentes oportunidades que poderiam vir de outras fontes.

É por esse motivo, por desconhecerem a probabilidade ou terem uma visão equivocada delas, que as pessoas continuam perdendo dinheiro em jogos de azar, fazendo sexo desprotegido, investindo em ativos de altíssimo risco e assumindo a probabilidade de contrair doenças que de outra forma jamais contrairiam.

São vários os elementos que levam a esse tipo de conduta, mas podemos citar a ansiedade de querer algo logo, o desespero de ver que é preciso trabalhar duro, a procura por atalhos e a falta de conhecimento dos fatos, ou incapacidade de aceitá-los.

Seguindo essa linha, quem acha que tem mais chance de ser aprovado em concurso? Quem estuda de forma dedicada, com método, ou quem cai de paraquedas munido apenas do rugido de leão do guerreiro? O mesmo vale para a iniciativa privada: o candidato que sabe se portar, que tem um currículo que equilibra teoria e prática, vai perder para quem tem um diploma “tigre diamante do curso suce$$o ou morte”?

Para o coach é sempre lucrativo, quer você ganhe, quer não. Imagine se existirem cursos que vendem métodos infalíveis, e, caso você seja aprovado no concurso ou obtenha o emprego, ainda cobre uma comissão extra. Como dizem nos jogos de azar, a banca nunca perde, só ganha menos: se você não foi aprovado, a culpa é sua por não se dedicar ou não ter “fé” suficiente, mas, se foi, o mérito é do coach que te guiou. Curiosamente, o primeiro livro de cálculo probabilístico foi De Ratiotiniis in ludo aleae, ou Dos métodos no jogo de azar, do século XVII, por Christiaan Huygens.

Ter bom senso e alguma noção de realidade, ou alguém próximo a você capaz de puxá-lo para a terra, pode evitar que você perca dinheiro e, mais importante, o irrecuperável tempo que poderia ter sido investido em algo mais útil.

A promessa de abundância é mentirosa. Se é para usarmos a Bíblia, lembremos que a humanidade deve ganhar o seu pão com o suor do rosto (Genesis, 3:19), e que deve ser dado César o que é de César, e a Deus o que é de Deus (Mateus, 22:21). Quem, no deserto, prometeu vantagens e poderes impossíveis a Jesus se o seguisse foi o diabo: transforme a pedra em pão, você consegue; se me adorar dar-te-ei os reinos da terra, poder e glória; se joga de cima do templo, você comanda os anjos (Lucas 4:1-13). E talvez essa seja uma chave para entender quem se entrega na mão de charlatão: são pessoas perdidas, que, na falta de um sentido específico para sua vida, como preconiza Viktor Frankl em sua obra “Em busca de sentido”, buscam tapar esse buraco com dinheiro, luxo, bens materiais e poder temporal.

Não existe fórmula mágica para concurso público, para bons empregos, para nada. Existem técnicas sérias, pessoas que podem te passar excelentes dicas, até fazer um trabalho de “mentoria”, mas tudo isso é ferramenta que só será útil se você tiver ânimo e capacidade de manejá-la. Ninguém vai dizer “abra-te, sésamo” e te apresentar uma caverna de tesouros: se o fizer, saia correndo porque é golpe.

Faça um esforço e pense comigo: por que alguém que sabe fazer ouro venderia a fórmula, em vez de fazê-lo todo para si? Por que alguém que sabe a fórmula matemática para ganhar na loteria te venderia ela em vez de ganhar todas as vezes?

A resposta para isso é clara: porque essa “mágica” não existe, e é pegando o dinheiro de inocentes gananciosos que essa gente enriquece e chega de porsche para te falar do sucesso, quando o sucesso dela depende do público que a sustenta.

Continua aqui comigo só mais um pouco para o último raciocínio: se a fórmula do sucesso funciona, se ela é exata, por que esses coaches e “professores” não obtém uma taxa de sucesso de 100% dos seus alunos? Por que em vez de cobrar do aluno valores exorbitantes e mais taxas quando aprovados, eles não fazem o contrário e prometem devolver seu dinheiro em dobro se não tiver êxito? Por que pelo menos eles não são capazes de indicar objetivamente quais são os candidatos que serão aprovados a partir de um critério claro?

A resposta é simples: porque as variáveis são inúmeras. E essa é a resposta que serve para dizer que o método deles não só não vale nada, como custa muito pra quem aceita segui-lo.

Fuja de qualquer perfil de rede social e curso propagandeado com foto de mão no queixo com fundo colorido, promessa de aprovação e riqueza com concurso público (servidor público de nenhuma carreira consegue ter uma vida de luxo como as redes sociais mostram, se tem, pode ser que a fonte de renda que sustente isso seja você), propaganda com viés religioso, imagem de luxo e sucesso, maquiagem e muito filtro e photoshop.

Procurem os cursos sérios, que te entreguem conhecimento e ferramentas úteis, que não te prometam nada além de conhecimento, talvez uma rede de contatos, porque o sucesso depende em parte de você, em parte da sorte. Mas mesmo essa sorte pode ser muito melhorada com trabalho duro e dedicação, e os antigos sabiam disso, como diz o adágio citado pelos romanos Cícero e Virgílio, atribuído a Quinto Ênio, “a sorte sorri para os audazes” (“fortis fortuna adiuvat”), ou como diz a frase atribuída a Thomas Jefferson, embora usada desde o século XVI, “quanto mais eu trabalho, mais sorte eu tenho”. Na mesma linha está a frase do General Patton, que lutou na II Guerra Mundial, de que aquele que mais transpira no treino, menos sangra na guerra.

Essas expressões mostram a importância do preparo como capaz de aumentar a probabilidade do sucesso, mas jamais de garanti-la. No caso da vida profissional, além do preparo é preciso aumentar as ocasiões que te permitam ser visto e lembrado, e isso se faz com uma ampliação de rede de contatos (chique é dizer network, né?) qualificada, o que só se encontra em locais de melhor nível, não em currais de fracassados ansiosos que se debruçam em frente de um bezerro de ouro crendo que magicamente lhes conferirá a glória terrena.

Eu sei o que é estar perdido, eu sei o que é ter dúvidas, eu sei o que é não ter perspectiva e nem saber por onde começar. Tenha em mente que o conhecimento sério que você obtém, a experiência de valor que você aufere, ninguém pode tirar de você.

Cito um exemplo pessoal. No passado obtive uma colocação em uma multinacional e isso só aconteceu por uma sucessão de motivos: estudei com a irmã de um dos sócios e éramos amigos, ela me indicou, me submeti ao processo seletivo e, ao final, entre eu e uma outra candidata, por algum motivo me escolheram.

Observem as variáveis mais imediatas: ter escolhido determinado curso, ter caído na mesma sala que minha amiga, termos feito amizade, ela ter tido acesso à vaga, ter lembrado de mim, me ligado, eu ter sido aprovado no processo seletivo e escolhido ao final por algum motivo que me diferenciou da outra candidata. Há aí tanto mérito meu, por ter me preparado e me dedicado, como elementos que fogem ao meu esforço, embora sejam consequência dele, como ser lembrado por ser estudioso, e outros que fogem totalmente ao meu alcance, que foram os contatos que fiz e que resultaram nessa oportunidade.

Quero, contudo, deixar alguém bem claro: não há nada mais abjeto que tratar outra pessoa por alguma vantagem que ela pode te trazer. Há um abismo gigantesco entre interagir com seres humanos em situação de igualdade, abrindo espaço para novas interações, e tratar as pessoas de forma utilitarista com base naquilo que elas podem te beneficiar. Enquanto no primeiro caso se exercita a sociabilidade e outras virtudes, no segundo caso você é um psicopata. Se você identificar alguém que se encaixe na segunda hipótese, saia de perto e corte relações o mais rápido possível.

A partir do que vimos dá para traçar algumas regras sintéticas:

1. Fuja de quem te promete sucesso, atalhos ou caminhos fáceis, especialmente se for de graça, porque nesse caso você não saberá nem o quanto está pagando.
2. Não caia na conversa dos “casos de sucesso”: eles estão dentro de qualquer probabilidade estatística e não provam a eficácia de nenhum método coach. Procure outras fontes de confirmação dentro de critérios objetivos e transparentes.
3. A maior parte do conteúdo está disponível de graça, se você tiver tempo de procurar e capacidade de entender, mas certificações de bons cursos e ter trabalhado com profissionais reconhecidos fazem a diferença no currículo.
4. Cursos e professores bons são aqueles que sistematizam conhecimento e transmitem método de estudo e prática, poupando seu tempo e abrindo sua mente para novas ideias.
5. Ter alguém mais experiente e sério que te auxilie com a prática é muito importante, embora não seja essencial.
6. Construir relações éticas e saudáveis, em qualquer âmbito e não apenas no profissional, é essencial, além de ampliar o leque de possibilidades futuras.
7. Pessoas sem caráter não possuem compromisso com ninguém e só se preocupam em explorar o outro. Por isso, recuse as "oportunidades imperdíveis" de gente que você não conhece bem, ou de quem você sabe bem quem é. Ninguém acha uma maleta de dinheiro na rua e decide dividir com um desconhecido.
8. Se alguém tivesse a fórmula mágica para fazer ouro, essa pessoa ganharia muito mais produzindo ouro do que vendendo curso sobre como fazer ouro.
9. Seu tempo é o que você tem de mais precioso: se você não perceber isso aos 20 anos, sua vida vai ficar mais difícil aos 50, mas sempre é tempo de mudar. Lembre-se que insistir no caminho errado só te levará para mais longe de onde você deveria estar. E como você sabe qual o caminho certo? A primeira dica é identificar os errados.

Espero ter conseguido convencer você, leitor, sobre a importância de usar bem seu tempo para atingir seus objetivos profissionais e deixar de lado promessas mágicas que são só fumaça e luzes.

No fim, contudo, a escolha, como o tempo e o dinheiro que te pertencem, é sua e só sua. Desperdice-os como quiser.

Links:
1. https://www.bbc.com/portuguese/internacional-44275162
2. http://www.oncoguia.org.br/conteudo/estatistica-para-cancer-de-prostata/5852/288/
3. https://www.inca.gov.br/controle-do-cancer-do-colo-do-utero/conceito-e-magnitude
4. https://www.paho.org/pt/noticias/17-6-2021-uma-em-cada-100-mortes-ocorre-por-suicidio-revelam-estatisticas-da-oms