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JESUS, O CENTURIÃO ROMANO E O PORTA DOS FUNDOS

Eduardo Perez
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JESUS, O CENTURIÃO ROMANO E O PORTA DOS FUNDOS

Além das críticas às ofensas, quem professa o cristianismo deve sempre se perguntar o que tem feito para propagar a fé pelo exemplo.

O Brasil é um país de memória curta: vive apenas de polêmica em polêmica, ou de escândalo em escândalo, olvidando de imediato o anterior pelo próximo, sempre em busca da novidade mais degradante.


A nova onda é o episódio do grupo Porta dos Fundos no qual Jesus é retratado como homossexual, Deus é mentiroso e lúbrico e Maria é luxuriosa. Foi o bastante pra que cristãos e grupos religiosos passassem a se opor arduamente ao programa.


É o caso?


Jesus, um carpinteiro da Galileia dominada por Roma, foi capaz de dividir a história do mundo antes e depois de sua passagem pela Terra.


Sua mensagem pode ser grosseiramente resumida em uma só palavra: Amor. E amor em sua mais ampla gama, Ágape, Philos e Eros. Amar a si, ao próximo e a toda a Criação.


O Novo Testamento é rico em histórias vividas por Jesus e parábolas por Ele contadas para explicar a mensagem divina. Dessas, e me perdoem os especialistas se estiver equivocado, há um único momento de ira, quando Cristo expulsa os vendilhões do templo.


No mais, a mensagem é de Amor e transformação. De compreensão e tolerância. De compaixão e verdade, porque só ela, a verdade, é capaz de libertar o ser humano.


Jesus, filho de Deus, tocou o mundo de tal forma que seu exemplo arrastou discípulos e pessoas que passaram a espalhar seus ensinamentos.


O cristianismo fincou suas raízes não pelo ódio, mas pelo Amor, pelo acolhimento. Quando ainda uma religião desconhecida, indagava-se: Quem eram aquelas pessoas que se apoiavam mutuamente? Que ajudavam os mais fracos? Que eram perseguidas pelos poderosos e, mesmo diante da tortura, não renunciavam ao seu Deus?


Que força era essa que tornava um escravo maior que um imperador em dignidade e compaixão?


No primeiro século, o cristianismo aceitava a todos de braços abertos. Escravos romanos e gentios afluíam em números a esta religião ao ouvir acerca da misericórdia desse Deus que a ninguém excluía. O evangelho se espalhava por Alexandria, Atenas, Roma e até na Gália. A unidade cristã aceitava as diversidades, sem se conformar a uma uniformidade materialista (HOFFMAN, Marshall L. Turning Our Browns into Smiles: Discovering Jesus’ Delightful Sense of Humor. Redemption Press. 2016). 


De fato, a mensagem de Jesus é inclusiva, não de ódio ou exclusão. Disse Paulo: “Nisto não há judeu nem grego; não há servo nem livre; não há macho nem fêmea; porque todos vós sois um em Cristo Jesus” (Galátas 3:28).


É oportuno mencionar, dentre as histórias protagonizadas por Jesus, a do centurião de Cafarnaum (São Mateus, 8:5-13), que inspirou o conto “Senhor, eu não sou digno…”, do opúsculo “Iazul, Contos e Lendas Orientais”, de Malba Tahan (não tem na internet, mas qualquer sebo online disponibiliza e recomendo MUITO a leitura integral da obra).


Conta-se que, no primeiro século da Era Cristã, vivia em Roma Aurelius Publius, pai de Marcus Lucius e de Flavius Antoninus. Flavius era poeta, alegre, brincalhão, sempre bem relacionado, tendo recebido o interesse até do imperador César. Marcus, por sua vez, era um tipo muito trabalhador e honesto, mas sisudo, fechado, metódico.


Aurelius acreditava que seu filho poeta seria lembrado pela eternidade, mas que o outro logo seria esquecido.


Marcus, diante do seu perfil, ingressou no exército romano, tornando-se rapidamente um centurião, enviado a servir na Judeia, em Cafarnaum. Com sua esposa e filhos em Roma, morava sozinho, tendo tomado para si um servo idumeu responsável pela casa, que, contudo, veio a cair doente.


Embora pudesse o centurião dispensar esse servo e tomar para si uma dezena de outros saudáveis, empenhou-se em buscar a solução da sua moléstia ao consultar toda sorte de curandeiro, sem sucesso.


Inquieto, soube de um rabino na região capaz de fazer os cegos verem e até insuflar vida nos mortos. Como oficial romano, poderia mandar que seus homens procurassem esse rabino em cada vila e o trouxessem até ele. Contudo, despido de vaidade, partiu Marcus pelas empoeiradas estradas em busca do curandeiro capaz de salvar o adoentado idumeu.


Ao chegar a Cafarnaum, viu o rabino, em verdade, Jesus, pregando ao povo e realizando milagres. Emocionado, aproximou-se Marcus Lucius e disse: “Senhor, meu servo está doente”. Respondendo Cristo: “eu irei e o curarei”.


O centurião disse: “Senhor, eu não sou digno que entreis em minha casa. Dizei uma só palavra e meu servo será curado”. Admirado, disse Jesus: “Em verdade vos digo: não encontrei semelhante fé em ninguém de Israel. Vai, teu servo já está curado”.


Aquele centurião preocupou-se com o próximo, alguém que, pela cultura da época, poderia ser descartado como um objeto inútil. Não prestou contas a ninguém de sua condição, não se sentiu diminuído ou vilipendiado em seu orgulho por ser um oficial do Império a sair sozinho pelas estradas em busca de um rabino curandeiro, nem foi obstáculo sua vaidade ao implorar pela vida de um desconhecido a um Cristo que apenas intuitivamente conhecia.


Um romano “pagão” bem exprimiu a essência do cristianismo: a bondade, a honestidade, a dedicação, a perseverança, a humildade, a compaixão, o Amor e a Fé.


Cristãos foram martirizados e atacados no início da fé, e o são até hoje em países ditatoriais que não permitem a liberdade religiosa, como por exemplo Coréia do Norte, Afeganistão, Somália, Paquistão e Irã.


Sobrevivemos ao coliseu e aos campos de concentração. A palavra de Cristo venceu imperadores e  ditadores. Sobreviveu às invasões islâmicas europeias, ao nazismo e ao comunismo. Resistiu ao iluminismo, à Revolução Francesa, ao positivismo e ao materialismo.


O especial do Porta dos Fundos é mais uma das inúmeras ofensas lançadas contra o cristianismo no coliseu midiático dos que chamam a si próprios de “progressistas”, como se andar em direção ao abismo fosse uma forma de progresso.


Espanta, claro, que na tentativa de “ofender” cristãos, coloquem Jesus como “gay”, como que a diminuir ao mesmo tempos os homossexuais. Trocam a força da independência da mulher, mais bem representadas por figuras como Irena Sandler, Rosa Parks ou Boudicca, pela inexpressividade de uma Frida Kahlo. E daí por diante.


É algo indigno de importância e não merece qualquer dispêndio de energia. É só mais um dos vários ataques culturais ao cristianismo.


Mais importante é perguntar o que os cristãos estão fazendo. Lutando com raízes no Amor ou com raízes no ódio? Por que é mais importante atacar a triste pantomima mambembe em vez de ensinar pelo exemplo e pela palavra o que é certo?


Não se trata de dar a outra face. Pelo contrário. Mas de combater com base naquilo que move os verdadeiros combatentes: por amar aquilo que protege atrás de si, e não por odiar o que está à sua frente.


Também não há o risco do Paradoxo da Tolerância de Popper.


Será que a força das palavras de Cristo só existirá enquanto se impedir qualquer crítica sobre ela? A história mostra justamente o contrário. A potência do Evangelho se concretiza na conduta de quem o vive, como exemplo vivo. Foi isso que converteu incontáveis pessoas desde Roma, em que pese o mau uso dela por alguns ontem e hoje.


Então é de se perguntar o que você, que critica o malfadado programa, está fazendo para mostrar o que é certo. Porque é muito conveniente extravasar a frustração cotidiana através de um “ódio aceitável”. Afinal, atacaram a minha religião, tenho desculpas para sentir raiva. Certo?


Eu não estaria tão seguro disso.


A mensagem de Cristo é de Amor e tolerância, embora não de humilhação e subserviência, interpretação truncada que favorece apenas aos que se beneficiam do poder. É preciso ser altivo sem vaidade, forte sem arrogância, compassivo sem liberalidade. 


Ao invés de temer o que um programa de televisão pode fazer com a sua religião, pergunte-se de que forma você a tem vivido diante da sociedade. Que valores você tem transmitido à sua família, aos seus amigos, às pessoas com quem você convive? Ou seu discurso é um e sua ação é outra? Aí realmente é preciso ter medo da hipocrisia ser desmascarada, afinal, a verdade liberta.


O grupo Porta dos Fundos tem um humor pequeno, próprio dos tempos sem cultura em que vivemos, muito distante da genialidade de um Monty Python, que no filme  “A Vida de Brian” (1979) tem ótimas críticas, inclusive contra o incipiente discurso de gênero.


Diante de tudo isso, é conveniente lembrar que das poesias e das galhofas, das piadas e sátiras de Flavius Antoninus ninguém lembra. Mas as palavras de Fé e Amor do humilde, sisudo e honesto Marcus Flavius são repetidas há dois mil anos: “Senhor, eu não sou digno que entreis em minha casa”.


Da minha parte, amarei minha família, meus amigos, a humanidade e a Criação hoje e sempre. E neste Natal rezarei por todos nós, inclusive pelos humoristas que fazem pouco da minha fé, porque é a minha fé, e não a deles. Isso ninguém pode tomar de mim, por mais que tenham poder, mídia e dinheiro. Por isso o escravo liberto na fé sempre foi maior que o imperador subjugado pela matéria. Por isso nós estamos no Ano de Nosso Senhor de 2019, calendário adotado em todo o mundo.


Qual caminho você escolhe percorrer?