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AS NOTÍCIAS QUE CONFIRMAM NOSSOS DESEJOS

Eduardo Perez
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AS NOTÍCIAS QUE CONFIRMAM NOSSOS DESEJOS

A forma como a propaganda reforça nossas ideologias, desejos e preconceitos nem sempre é percebida. Um convite à reflexão em tempos de julgamentos sumários.

A onda do momento são as supostas conversas que teriam sido divulgadas entre o Ministro da Justiça, Sérgio Moro, e integrantes do Ministério Público Federal componentes da Operação Lava-Jato.

O que se tem de confirmado até então?


1. Que o celular do ministro, assim como de algumas autoridades, teria sido, de fato, hackeado, sem saber se algo foi deles obtido;


2. Que um site internacional estaria noticiando ter em mãos material entregue por terceiros, e não fruto do ato criminoso, incluindo áudios, e o estaria divulgando a conta gotas.


O resto é ilação, ou seja, conclusão pessoal.


O que está sendo divulgado é verdade e pode ser confirmado? O site tem realmente esse material? Foi aquele entregue por terceiros ou foi obtido do celular hackeado? Quais as implicações legais para os envolvidos? Como lidar com a questão ética do conteúdo, se verdadeiro? E qual o impacto dos diálogos?


Fora os itens 1 e 2 acima, o resto deriva da crença e interpretação de cada um, direcionadas, é claro, pelas próprias interpretações que várias pessoas com notoriedade estão divulgando. Soma-se a isso a divulgação de diálogos claramente falsos que estão circulando na rede como verdadeiros nos quais até mesmo sentenças criminais são negociadas.


Tomando como base esse caso, em hipótese, e sem qualquer vinculação com fatos reais ou não, pois se trata de um tema sob investigação, é possível extrair algumas ideias universais para debate.


Existe um termo em inglês que se denomina “wishful thinking”, que o dicionário Merriam-Webster traduz como “atribuir realidade para o que alguém deseja ser verdade ou a tênue justificativa do que se quer acreditar” (1)


Também pode ser descrito como a tomada de decisões e a formação de crenças com base no que é agradável de se imaginar em substituição à evidência, racionalidade ou realidade (2). 


O “wishful thinking” conduz ao “confirmation bias”, ou “viés de confirmação”, que se caracteriza pela influência direta do desejo nas crenças, ou seja, o indivíduo quer tanto que algo seja verdade, que acaba acreditando que é verdade (3). 


Tão logo a pessoa reúna as informações que confirmam sua ideia ela para de pesquisar. Basta que suas opiniões e preconceitos sejam reforçadas pelos dados que possui.


Ou seja, primeiro acredita-se em algo e depois busca-se confirmar isso.


Soma-se a isso uma série de outros vieses cognitivos, como a exposição seletiva, que consiste na seleção motivada de mensagens que correspondam às crenças de um indivíduo e, surpresa, se mostra mais recorrente nos temas de política e religião (4).


Há ainda a incapacidade de admitir suas próprias limitações cognitivas (bias blind spot), acreditar que só os outros vão cair naquilo, você não (third-person effect), a tendência de atribuir maior valor àquilo que vem de uma autoridade, mesmo que essa autoridade seja só um perfil famoso de rede social (authority bias) ou acreditar em algo porque muitas pessoas também acreditam, o que também contribui para explicar a tendência de compartilhar o que se recebe em outros grupos (bandwagon effect) e uma série de outros pontos que impedem uma visão menos poluída da realidade.


Um estudo feito em Yale testou os conhecimentos dos participantes sobre coisas ordinárias, sobre como funcionam as privadas, o zíper e as fechaduras. Os participantes foram convidados a detalhar o funcionamento desses itens, revelando pouco ou nenhum saber a respeito (5).


É o que se chamou “ilusão da profundidade explicativa”, concluindo-se que as pessoas acreditam saber mais do que efetivamente sabem. Essa crença é reforçada pelo número de pessoas que dividem as mesmas opiniões.


Por exemplo, uma opinião isolada e sem fundamento parece tolice, mas quando duas, três, cem pessoas a dividem, passa a existir a ilusão de fundamento ou de sentido.


O fato de não saber como funciona uma privada ou até mesmo uma vela, questões objetivas e claras, não impede o indivíduo de se sentir apto a tratar de temas complexos, como economia e direito penal, mesmo que suas opiniões se limitem a achar que bandido bom é bandido morto ou que o criminoso é vítima da sociedade capitalista.


Outro estudo realizado em 2012 convidou seus participantes a opinarem sobre temas como sistema único de saúde ou pagamento de professores baseado em mérito, indicando o nível de intensidade que discordavam ou concordavam com esses temas.


Em seguida, foi-lhes pedido que explicassem detalhadamente os impactos da implementação de cada tema. O resultado foi que a maioria não soube se virar bem e, quando perguntados novamente sobre os mesmos temas, foram menos veementes em suas respostas (5).


A reiteração de notícias falsas (fake news) por vários meios, por vezes em diferentes formatos, mas com a mesma ideia, tende a conduzir ao mencionado consenso grupal e até mesmo a falsas memórias coletivas, o chamado Efeito Mandela (6).


Dicas para evitar notícias falsas, mas que servem para a vida em geral, é sempre se perguntar quem está publicando a matéria e quem se beneficia com isso, mesmo que isso seja verdade.


Sidarta Gautama, o Buda, há 2500 já convidava a duvidar e não se deixar ”(…)levar pelos relatos, pelas tradições, pelos rumores, por aquilo que está nas escrituras, pela razão, pela inferência, pela analogia, pela competência (ou confiabilidade) de alguém, por respeito por alguém, ou pelo pensamento(…)” (7).


Jesus Cristo com maestria resumiu a importância da verdade: “E conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará” (João 8:32) (8)


No sentido oposto, Joseph Goebbels, o ministro do “Reich” nazista da Propaganda e Esclarecimento Público possui algumas curiosas frases que lhe são atribuídas:


“Não seria impossível provar, com suficiente repetição e compreensão psicológica das pessoas envolvidas, que um quadrado é, de fato, um círculo. São apenas palavras, e as palavras podem ser moldadas(…)”.


“A propaganda funciona melhor quando aqueles que estão sendo manipulados estão confiantes de que estão agindo por vontade própria.”


"Este é o segredo da propaganda: aqueles que devem ser persuadidos por ela devem estar completamente imersos nas suas idéias, sem nunca perceberem que estão imersos nela."


“Não havia sentido em procurar converter os intelectuais. Pois os intelectuais nunca seriam convertidos e de qualquer maneira sempre sucumbiriam aos mais fortes, e este sempre será "o homem da rua". Os argumentos devem, portanto, ser brutos, claros e forçáveis, e apelar às emoções e instintos, não ao intelecto. A verdade era irrelevante e totalmente subordinada às táticas e à psicologia”.


Mas, principalmente esta frase: “Se você conta uma mentira por tempo suficiente, ela se torna verdade”.


O momento convida à reflexão, e não ao debate acalorado com base em ilações apenas porque elas confirmam ou desafiam ideologias.


Devemos ter em mente que não há sociedade viável se não houver compromisso com a verdade e com as virtudes. Relativizar o que é e o que não é para encaixar em nossa visão de mundo é o caminho pavimentado para o inferno próprio e dos outros.


Disse Voltaire, “a ilusão é o primeiro de todos os prazeres” (9), talvez por isso ela preceda cada vício e seja tão difícil de abdicar. E, como toda droga, sempre começa doce e sempre termina amarga.



FONTES:


(1) MERRIAM-WEBSTER. Disponível em: https://www.merriam-webster.com/dictionary/wishful%20thinking. Acessado em 10.6.2019, às 18h10.


(2) Disponível em: https://en.wikipedia.org/wiki/Wishful_thinking. Acessado em 10.6.2019, às 18h13.


(3) HESHMAT, Shahdom. What is confirmation bias? Disponível em: https://www.psychologytoday.com/us/blog/science-choice/201504/what-is-confirmation-bias. Acessado em 10.6.2019, às 18h21. 


(4) STROUD, Natalie Domini. Selective Exposure Theories. The Oxford Handbook of Political Communication. Disponível em: https://www.oxfordhandbooks.com/view/10.1093/oxfordhb/9780199793471.001.0001/oxfordhb-9780199793471-e-009. Acessado em 10.6.2019, às 20h04.


(5) KOLBERT, Elizabeth. Why Facts Don’t Change Our Minds. The New Yorker. Disponível em: https://www.newyorker.com/magazine/2017/02/27/why-facts-dont-change-our-minds. Acessado em 10.6.2019, às 20h22.


(6) How fake news gets into our minds, and what you can do to resist it. Disponível em: http://theconversation.com/how-fake-news-gets-into-our-minds-and-what-you-can-do-to-resist-it-114921. Acessado em 10.6.2019, às 20h43.


(7) BUDA. Kalama Sutta. Disponível em: http://www.acessoaoinsight.net/sutta/ANIII.65.php. Acessado em 10.6.2019, às 21h02.


(8) Bíblia Sagrada. Disponível em: https://www.bibliaonline.com.br/acf/jo/8/32+. Acessado em 10.6.2019, às 21h10.

(9) VOLTAIRE. The Maid of Orleans or La Pucelle. Trad. W. H. Ireland. John Miller : London. 1822.