Nascemos, crescemos e morremos. Para além do ciclo fisiológico, à humanidade é facultadoum amadurecimento espiritual que não se confunde com omero decair da carne.
Aldous Huxley, em Admirável Mundo Novo, descreve uma sociedade distópica na qual as pessoas são criadas in vitro e condicionadas a viverem em castas sociais, um coletivismo sem espaço para a individualidade. Materialmente nada falta e nem se sente a ausênciade liberdade, já queninguém sabe o que é isso poistoda a cultura não permitida pelo estado foi banida.
Em resumo, Huxley fala de uma sociedade de indivíduos altamente produtivos em seus trabalhos, mas infantilizados em suas emoções.
Peter Pan é conhecido como o garoto que não queria crescer e foi viver na Terra do Nunca, onde poderia ser criança para sempre, como nos conta a Disney baseando-se na obra de J. M Barrie, Peter Pan Ou O Menino Que Não Cresceria (1904).
Há uma síndrome que leva seu nome eque, embora, não reconhecida como doença real, é aceita em psicologia e foi descrita no livro de Dan Kiley, “Síndrome de Peter Pan: homens que nunca crescem” (1983).
São comportamentos típicos desses indivíduos a irresponsabilidade, a rebeldia, irritação, negaro envelhecimento, dependência, narcisismo, falta de compromisso nos relacionamentos eno trabalho, e tendência de responsabilizar os outros por suas falhas e fracassos.
Enquanto os Alfas, Betas, Gamas, Deltas e Ipsilones de Huxley são pelo menos produtivos, embora inúteis como humanos, os Peter Pans são absolutamente inúteis em todos os sentidos.
A sociedade atual é dominada por essas figuras infantilizadas, com prevalência dos Pans: incapazes de assumir compromissos emocionais ou profissionais, extremamente narcisistas, se portam de forma agressiva quando contrariados, terceirizam a culpa e não raro se colocam como solução dos problemas.
Encaixa-se no contexto da “geração floco de neve”, cujo termo teria origem no romance Clube da Luta, de Chuck Palahniuk: “você não é especial, você não é um belo e único floco de neve”.
Conquanto não sejam flocos de neve, cada um desses adultos e jovens adultos se sentem como um: especial, único e… extremamente frágil. Tudo os ofende, em especial quando o mundo não se comporta como querem.
Patrulham as redes sociais em busca de pessoas que estejam violando a cartilha do politicamente correto e se consideram “guerreiros da justiça social” (social justice warriors), o que é só um estímulo para dar vazão à sua frustração, ódio e narcisismo.
A sociedade foi tomada por uma infantilidade insuportável. Se antes os idiotas eram contidos por pessoas que os desestimulavam, a internet permitiu que passassem a se encontrar e, surpresa, descobrissem que são maioria.
Convenhamos que é muito mais fácil viver na Terra do Nunca: se todo mundo for descompromissado e fizer um trabalho mal feito, o nível de exigência também cai, é isso que vemos no filme Terra de Idiotas (Idiocracy – 2006).
Mas o que era previsto pela ficção para acontecer daqui 500 anos é realidade hoje. As redes sociais pululam de exemplos de infantilidade em diversas profissões, como é o caso do Direito: musiquinhas, dancinhas, memes, piadinhas a todo momento.
Profissionais passam a se portar de forma infantil, juvenil, na busca incessante de aprovação, na mendicância de curtidas. Quem confiaria em um profissional assim? Muita gente está disposto a aplaudir qualquer “lacração”, não importa quão apartada da realidade. Aliás, quanto mais, melhor. Mas estariam dispostos a sofrer as consequências desse descompromisso narcísico? Estariam preparados para ver seu advogado cantar uma música em uma audiência ou o juiz descolado buscar um jeito inovador de julgar a guarda dos seus filhos?
Nada é levado a sério, embora extremamente sério aquilo com que se lida: dignidade, liberdade, saúde, patrimônio, honra e vida alheios. E esse é o perfil do narcisista: se não é sobre ele não importa.
Nessa linha é esperado que aqueles profissionais que se vejam obstados por sua incapacidade natural ou cultivada descontem o ódio e culpem o outro.
É mais fácil culpar o juiz do que reconhecer os fatos.
O resultado disso: trabalho mal feito, frustração e fracasso social em escala individual e coletiva.
Convém lembrar o que dizia o gênio Nelson Rodrigues:
“Se o homem, de uma maneira geral, tem vocação para a escravidão, o jovem tem uma vocação ainda maior. O jovem, justamente por ser mais agressivo e ter uma potencialidade mais generosa, é muito suscetível ao totalitarismo. A vocação do jovem para o totalitarismo, para a intolerância é enorme. Eu recomendo aos jovens: envelheçam depressa, deixem de ser jovens o mais depressa possível, isto é um azar, uma infelicidade”.
E é jovem também aquele velho que se recusa a crescer, aquele adulto tirador de onda, aquele grisalho que acha que tem dezessete e é a régua do mundo. Sabe tudo o que deve ser feito, como todo juvenil, só não sabe, nem quer, fazer nada.
Amadurecer é essencial porque significa admitir-se mortal e reconhecer o outro, e com isso você afasta duas pragas: a megalomania e o narcisismo.
Quando sabemos que iremos morrer e não somos melhores que ninguém, mas parte de um mundo no qual ingressamos quando ele já existia e do qual sairemos antes que ele termine, passamos a entender a tragédia a que todos estão submetidos.
Além disso, reconhecemos que existe o outro como alguém além de nós mesmos, pessoas que também sonham e amam.
Perde-se a ideia equivocada de que o universo gira em torno de si e percebe-se que o que se pode fazer de útil na existência sempre dependerá da comunidade humana.
O rebelde é sempre um vaidoso, o revolucionário é sempre um ditador, aquele que grita com ódio que o outro está errado é quem está errado de fato.
Amadurecer, contudo, não é abrir mão da jovialidade ou de seus próprios gostos que rotulam de “coisa de criança”. O que define a maturidade é a forma com que se lida com o próximo e com a realidade, notadamente as frustrações e contingências.
A passagem do tempo é uma viagem, não um castigo. Recebemos a benção de existirmos em um determinado momento e local e de interagirmos com outros e, ao partirmos, deixarmos nossos feitos e levarmos nossas experiências.
Essa viagem é tudo o que importa e, embora nela entremos e dela saiamos sozinhos, durante esse percurso podemos ter companhia.
Como diz esse trecho do poema Ítaca, de Kaváfis, em referência à Odisséia de Homero:
Quando partires em viagem para Ítaca
faz votos para que seja longo o caminho,
pleno de aventuras, pleno de conhecimentos.
(…)
Guarda sempre Ítaca em teu pensamento.
É teu destino aí chegar.
Mas não apresses absolutamente tua viagem.
É melhor que dure muitos anos
e que, já velho, ancores na ilha,
rico com tudo que ganhaste no caminho,
sem esperar que Ítaca te dê riqueza.
Ítaca deu-te a bela viagem.
Sem ela não te porias a caminho.
Nada mais tem a dar-te.
E se você considerá-la pobre, Ítaca não te enganou.
Sábio assim como te tornaste, com tanta experiência,
já deves ter compreendido o que significam as Ítacas.
Três contos sobre ofertar presentes podem nos dizer muito sobre o Natal.
Pensar o Natal como uma auditoria da nossa conduta no último ano e um ajuste de caminho para o ano vindouro o torna uma data sempre presente, e não um feriado no qual se come muito e se trocam presentes.