A LIÇÃO DE TOLKIEN SOBRE A FIDELIDADE
Cristão devotado, Tolkien em sua obra aponta a importância do bem e das virtudes: amor, coragem, lealdade, amizade, justiça, compaixão, mas, acima de tudo, fé. Mas qual seria o valor da fidelidade?
O autor da trilogia “O Senhor dos Anéis”, J. R. R. Tolkien, criou todo um universo com história, raças, geografia, panteão e línguas próprias, uma riqueza imensurável.
Cristão devotado, Tolkien em sua obra aponta a importância do bem e das virtudes: amor, coragem, lealdade, amizade, justiça, compaixão, mas, acima de tudo, fé, e peço licença para usar alguns episódios de sua obra, alguns discursos da versão do cinema, para ilustrar esse ponto.
Gondor, a maior cidade dos homens, era governada há muito tempo por uma família de regentes, já que os verdadeiros reis estavam desaparecidos.
O último regente foi Denethor II, durante a Guerra do Anel narrada pela trilogia. Ele utilizou um artefato mágico para sondar o Senhor do Mal, Sauron, que era mais poderoso e tomou conta de sua alma, acentuando sua amargura e conduzindo-o à desesperança e à crença de que era chegado o fim de tudo.
Sauron havia reunido um poderoso exército com o qual pretendia dominar o mundo conhecido e escravizar as demais raças, colocando-as sob seu jugo, lembrando o ideal nazista.
Gondor tinha um pacto com Rohan, terra de guerreiros muito similares aos nórdicos medievais, e quando uma fosse atacada a outra iria em seu auxílio.
Rohan, contudo, era governada por Theoden, que por sua vez era aconselhado por Grima, agente a serviço do mal, cuja função era envenenar diariamente a alma do rei com desconfiança e amargor. Gandalf, o mago que aconselha e luta ao lado dos heróis, é quem livra Theoden dessa influência nociva e abre seus olhos para o avanço da malignidade.
Gondor estava sob ataque pesado do exército de Sauron, que já começava a invadir as muralhas da cidade, quando Rohan, com um rei já liberto das más influências, recebe o pedido de ajuda.
Fiéis à sua palavra, os rohirrim partem para a batalha.
Esse trecho do livro foi transposto para o cinema como uma de suas mais belas cenas: Gondor sitiada e queimando madrugada adentro enquanto o exército de Sauron avança. Uma trombeta de batalha soa quando o sol começa a nascer. Do alto da colina surgem os cavaleiros de Rohan. Enquanto uma chama de esperança percorre a resistência de Gondor, o medo se espalha entre os inimigos.
O Rei Theoden faz seu discurso:
“Levantem-se, levantem-se cavaleiros de Théoden! Lanças serão destruídas! Escudos serão despedaçados! Um dia de espada! Um dia vermelho! Antes de o sol raiar…Cavalguem agora! Cavalguem agora! Cavalguem! Cavalguem para a ruína e para o fim do mundo! Morte!”
Os rohirrim sabiam que eram pequenas as chances de sobreviver a esse combate, mas estavam ali para cumprir sua palavra e atender a um pedido de ajuda de uma nação amiga, de alguém que dividia com eles os mesmos ideais e virtudes.
É preciso ter em mente que todas essas batalhas eram relevantes, mas que a vitória sobre o mal dependia da destruição do Um Anel, o poderoso artefato de Sauron, missão confiada a Frodo, acompanhado de seu amigo de todas as horas, Samwise Gamgee, ambos da humilde raça dos hobbits.
Foi para viabilizar essa missão que, vencida a batalha de Gondor, imediatamente Aragorn, o rei desaparecido que retornou, reuniu um exército e fora desafiar Sauron em frente ao Portão Negro de Mordor, em uma missão suicida com o único objetivo de desviar a atenção do Senhor do Mal e permitir a destruição do Um Anel, proferindo esse discurso aos seus companheiros que tremiam diante da força inimiga muito maior:
“Mantenham seus postos! Filhos de Gondor, de Rohan, meus irmãos… vejo em seus olhos o mesmo medo que antes me tirava a coragem. Talvez chegue um dia em que faltará coragem aos homens, em que abandonaremos nossos amigos e trairemos a amizade, mas esse dia não é hoje! Uma hora de lobos e escudos despedaçados, na qual a Era dos Homens chegará a um fim catastrófico, mas esse dia não é hoje! Hoje nós lutaremos! Por tudo o que lhes é caro nesta boa terra, eu os conclamo a resistir, Homens do Oeste.”
Quando finalmente o Um Anel é destruído, Frodo e Sam fogem do vulcão em erupção, mas acabam encurralados e sem esperança de escapar.
À espera da morte, Frodo diz ao seu amigo:
“Estou feliz em tê-lo aqui comigo. Aqui, no fim de todas as coisas, Sam.”
Mas acabam sendo resgatados por Gandalf no último minuto.
São muitas as lições de Tolkien, mas quero ficar com a que coloquei no início: a fé, a confiança em si, a confiança nos amigos e a confiança em Deus.
O êxito da missão de Frodo só foi possível porque houve uma conjunção do empenho de várias pessoas. Ele não venceu sozinho. A Sociedade do Anel, o grupo que jurou cumprir a missão de destruir o artefato maligno, ficou unida por pouco tempo fisicamente, mas seus membros permaneceram fiéis ao compromisso e uns aos outros, onde quer que estivessem.
A fidelidade só é possível onde há confiança no outro.
O poder também deve ser dado àquele que menos o deseja, no caso, Frodo, para quem o anel, diferentemente de todos os outros, era um fardo, não uma oportunidade.
Mais valia seu compromisso para com a sua terra e seus amigos, do que qualquer poder que pudesse gozar em sua solidão, certamente com a perda de sua alma.
Quando os guerreiros de Rohan se lançam à uma batalha com quase nenhuma chance de vitória estão sendo fiéis à sua palavra. Quando Aragorn se posta diante do Portão Negro de Mordor, está sendo fiel ao compromisso que assumiu.
Fidelidade vem do latim fidelitas, fidelis, fides, ou seja, fé, originalmente a adesão do fiel à sua crença.
Esse atributo é essencial para a vida comunitária. Só é possível uma relação humana se houver confiança recíproca. Onde há desconfiança nada é construído e sobrevive apenas um jogo de interesses egoístas.
Denethor, em sua solidão, olhou o abismo e se deixou seduzir pelo poder e pelo desespero. Frodo também teve seus momentos de desesperança, mas quando ele ameaçava desistir era Sam ao seu lado que o animava, chegando até mesmo a carregá-lo sobre as costas quando não podia mais andar.
Estivesse sozinho Frodo teria sucumbido.
Cada palavra dada que é rompida, cada promessa que não se cumpre, é uma ferida que se faz a toda a humanidade porque aumenta a sensação de desconfiança que cria abismos entre os homens.
Eu preciso saber que posso confiar no outro, e ele precisa saber que pode confiar em mim. As palavras não devem ser vazias, os compromissos não devem ser desacreditados.
Quem tem fé, tem fé inclusive que as virtudes perdurarão, apesar da corrupção da nossa carne, que os feitos serão lembrados e que ecoarão por toda a eternidade. Somos, afinal, a consequência dos feitos de nossos antepassados, assim como somos a causa dos nossos sucessores.
Não é com a morte em mente que as pessoas combatem forças muito maiores do que elas. Quem se bate contra gigantes não quer morrer, mas defender a vida.
Quando os hussardos alados poloneses se lançaram contra os turcos muçulmanos que faziam cerco à Viena, em 11 de setembro de 1683 (e esse dia não foi escolhido à toa pelos terroristas em 2001), ameaçando tomar toda a Europa, não pensavam na morte, mas na vida que protegiam.
Esse episódio, inclusive, muito lembra a carga dos rohirrim sobre o exército de Sauron n’O Senhor dos Anéis.
Ter fé é confiar no outro, é esperar em Deus. É ter a humildade de reconhecer que sozinhos pouco podemos, que somos um elo em uma corrente infinita de pessoas que pode ou espalhar ou bem, ou espelhar o mal.
Confiar é ser humilde, afinal, o arrogante só confia em si mesmo.
Não à toa nos ensina Tolkien, nas palavras do mago Gandalf dirigidas a Frodo que reclamava do seu destino:
“Assim como todos os que testemunham tempos como este, mas não cabe a eles decidir. O que nos cabe é decidir o que fazer com o tempo que nos é dado. Há outras forças em andamento neste mundo além da força do mal. Bilbo estava destinado a encontrar o anel, e assim você estava destiná-lo a tê-lo. E este é um pensamento encorajador”.
O que nos cabe é decidir o que fazer com o tempo que nos é dado, e nunca saberemos quanto tempo ainda temos, e é preciso confiar que há outras forças no mundo além da força do mal.
Se você for fiel à sua palavra, se suas promessas não forem vãs, estaremos lado a lado na batalha, e não importa o resultado, porque vencemos a vida.
Três contos sobre ofertar presentes podem nos dizer muito sobre o Natal.
Pensar o Natal como uma auditoria da nossa conduta no último ano e um ajuste de caminho para o ano vindouro o torna uma data sempre presente, e não um feriado no qual se come muito e se trocam presentes.